Dráuzio Varella, médico cancerologista paulista, iniciou em 1989 um trabalho voluntário de prevenção à AIDS na Casa de Detenção de São Paulo, na época, o maior presídio do Brasil, situado no bairro do Carandiru e que abrigava mais de 7200 presos. O conjunto presidiário era formado por nove pavilhões, cada um com cinco andares. Suas celas tinham portas maciças e só se sabia o que passava atrás delas quando as abria.
Por sua experiência vivida neste local como médico, ele escreveu um grande sucesso editorial brasileiro “Estação Carandiru”. Neste livro, o autor relata suas experiências pessoais, fruto do relacionamento com presos e funcionários e se dispõe a tratar com as pessoas caso a caso, mesmo em condições nada propícias à manifestação das individualidades.
Dráuzio Varella descreve no livro mais os aspectos sociológicos do que os propriamente ligados à área médica. Seu trabalho de pesquisa de prevenção à AIDS deu–lhe a oportunidade de conhecer um lugar povoado de maldade onde não se conhece, muitas vezes, a verdade. A vida dentro da Penitenciária do Carandiru caracteriza–se como um mundo diferente, dentro do mundo ocupado pelos cidadãos livres.
Ali existiam normas que deviam ser cumpridas por força da segurança e da lei, entre outras formuladas pelos presidiários, que exigiam que fossem cumpridas. Qualquer descumprimento com as regras eram castigadas com espancamentos e dependendo do caso, até com a pena de morte. Os prisioneiros eram ao mesmo tempo seus próprios juízes e algozes tendo como base as leis por eles mesmos estabelecidas.
Cada pavilhão tinha sua clientela especifica. O critério da distribuição obedecia às regras básicas. Por exemplo, quem praticava o estupro era encaminhado para o Pavilhão Cinco, os reincidentes no oito e os réus primários no Pavilhão Nove. Os presos com diploma universitários, que eram raros, moravam em celas individuais no Pavilhão Quatro, que era o local com mais privilégios dentro daquele enorme complexo prisional..
O pavilhão cinco era o mais lotado da cadeia. Moravam ali 1.600 homens, o triplo do que era recomendado para uma cadeia inteira. Ali habitavam os presos integrantes da faxina da penitenciaria. Eram os encarregados da limpeza geral e da distribuição de refeições. No quarto andar ficavam os presos que foram expulsos dos outros pavilhões devido a maus procedimentos ou derrota em disputas pessoais, além de outros estupradores e justiceiros. O que mais chamava atenção neste andar era a presença dos travestis com as maçãs do rosto infladas de silicone, calças agarradas e andar rebolado.
O livro retrata ainda em detalhes um dos episódios mais violentos do Governo do Estado de São Paulo, quando o Governado Fleury, autoriza a invasão do presídio por tropas policiais e este episódio triste da historia fico conhecido como O Massacre do Carandiru.
Numa sexta feira, do mês de outubro de 1992, começou uma rebelião no Pavilhão Nove. As quinze horas deste dia, policiais entraram na Detenção com metralhadoras, cães e escopetas. O Governador Fleury Filho qualificou a operação como uma ação policial para combater briga de quadrilhas. Nesta operação, de uma forma cruel, cento e onze detentos foram mortos pela Policia.
O ambiente na cadeia é como uma panela de pressão, quando explode é impossível conter. O ataque foi desfechado com precisão militar, rápido e letal. A violência da ação não deu chance de defesa para os presos. Trinta minutos depois da invasão ouviram-se gritos de “Para! Já chega! Acabou!” Uma, após outra, as metralhadoras foram silenciando. Após os tiros caiu um silencio de morte nas galerias. Os carros da polícia e do IML transportaram os mortos, até tarde da noite. Nas celas o ambiente era trágico. Dadá, um preso evangélico que sobreviveu ao massacre abriu a Bíblia e leu chorando como criança com o trecho: “Mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido, nada chegará à tua tenda” Salmo 91
Sem qualquer condição de cumprir sua função social, o completo da Penitenciaria do Carandiru, que foi construído para abrigar 3500 presos, chegou a abrigar mais de 9000 detentos. O local era imagem vergonhosa da grave crise do sistema prisional em São Paulo. Era impossível continuar como estava e decisões governamentais foram tomadas. Novas penitenciarias foram construídas no Interior do Estado, a população carcerária foi dividida entre as novas unidades e aquele inferno localizado praticamente no centro da maior cidade do Brasil, foi finalmente desativado.
Parte da construção foi implodido em 2002. Apenas alguns prédios foram deixados para a administração publica, senão com este objetivo, mas como uma lembrança de um momento para ser esquecido pelo povo paulistano.
O sucesso do livro “Estação Carandiru” foi tanto que sua historia foi retratada no cinema, com o filme que teve o mesmo nome, que é até hoje, um dos maiores feitos do cinema brasileiro.
Simplesmente uma obra extraordinária.
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